28/07/2014

História do materialismo ‒ Cap. II: dos jônios a Demócrito (parte 6)


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Pois, à época, o povo tinha aversão pelos filósofos naturais e pelos estudiosos dos fenômenos celestes, supondo que eles injuriavam o poder divino e a providência quando atribuíam os eventos a causas impensantes, a poderes ininteligentes, e à necessidade inevitável. Protágoras foi forçado ao exílio por causa de um sistema semelhante; e Anaxágoras foi posto na prisão, de onde Péricles, com grande dificuldade, libertou-o. (1)

Plutarco


6. Anaxágoras de Clazômenas

Anaxágoras (c. 500 a.C. – 428 a.C.) foi outro notável proponente de uma teoria que tangencia perigosamente o materialismo estrito no plano cosmológico. (2) Oriundo de Clazômenas, na costa da Jônia, Anaxágoras é reputado como o introdutor da filosofia em Atenas, cidade em que foi amigo e educador de Péricles, o maior político grego da época. No centro do mundo helênico, a novidade materialista não pôde florescer impunemente. Forçado a abandonar Atenas por causa de suas opiniões ímpias, Anaxágoras buscou asilo em Lâmpsaco, no Helesponto (Dardanelos), onde morreu após conquistar a veneração de seus concidadãos.

A relevância de Anaxágoras para a história do materialismo decorre principalmente da busca de explicações naturais para os fenômenos que a religião grega tradicional atribuía à agência divina. Anaxágoras foi um promotor genial da nova atitude mental que teve origem em Mileto. Stenger nota que “os pré-socráticos foram excepcionais, e suas diferenças com todos os demais assinalam a própria essência do conflito eterno entre a ciência e a religião”. (3) Com Anaxágoras, o naturalismo extravasa o âmbito propriamente filosófico e é acolhido por homens como Péricles, Eurípides e Tucídides, sem nunca, no entanto, ganhar a adesão das multidões. Não se trata de dizer que a dimensão teológica desaparece completamente do pensamento filosófico; ao que parece, o ateísmo stricto sensu não foi uma das alternativas propostas pelos filósofos gregos. Quando falamos do naturalismo dos pré-socráticos, temos em mente a rejeição da teleologia sobrenatural, ainda que a existência de seres divinos não seja posta em questão. A causalidade cega da matéria passa a explicar os eventos astronômicos, meteorológicos e biológicos. Concomitantemente, os eventos históricos são explicados em termos puramente humanos.

A tese do conflito entre a ciência e a religião adquiriu notoriedade com a publicação de dois livros no século XIX, História do conflito entre a religião e a ciência (1874), de John Draper, e Uma história do conflito da ciência com a teologia na cristandade (1896), de Andrew White. Draper e White tinham como alvo privilegiado a relação do cristianismo com a ciência. De qualquer modo, é de se notar que, certamente, o modelo do conflito é aplicável à maior parte da filosofia pré-socrática (Diógenes de Apolônia, o primeiro proponente do argumento do desígnio, seria uma exceção). Anaxágoras, com efeito, propõe a eliminação (mediante o princípio da parcimônia) das explicações teológicas dos fenômenos naturais, e não a conciliação de dois modos distintos de explanação (tese defendida na Antiguidade por filósofos como Platão e Plutarco).

A conversão de Péricles da religião popular dos gregos ao naturalismo é um episódio comovente da história do conflito entre a ciência e a religião. A libertação espiritual do estadista é creditada a Anaxágoras, um herdeiro da ciência jônica. Plutarco relata que, no limiar de uma expedição naval da guerra do Peloponeso, um eclipse solar aterrorizou os marinheiros que se preparavam para zarpar. Para os gregos antigos, eclipses eram sinais de mau agouro enviados pelos deuses. O ilustrado Péricles, que estava a bordo de um navio como almirante, tomou de seu manto e, dirigindo-se ao timoneiro apavorado, cobriu-lhe os olhos. Em seguida, perguntou-lhe se havia algo de extraordinário ou de muito terrível na obstrução da visão por um corpo opaco. (4) O ato, pedagógico, tinha o propósito de desmistificar a ocorrência astronômica, estabelecendo uma analogia entre o obscurecimento prosaico da visão pelo manto e o obscurecimento do Sol pela interposição de um objeto de maiores dimensões, a Lua.

Hipólito e Plutarco asseveram que o mestre de Péricles foi o primeiro a propor uma explicação correta para os eclipses (ainda que as explicações naturalistas para esses fenômenos remontem a Anaximandro). Anaxágoras toma como ponto de partida uma intuição oriunda da cosmologia “enganadora” de Parmênides, segundo a qual a Lua é iluminada pelo Sol. Essa alegação pode ser verificada por meio da observação do ciclo das fases da Lua (lunação). Anaxágoras infere daí, com alguma facilidade, que o eclipse lunar é causado pela interposição da Terra. Com base num raciocínio analógico que leva em conta as propriedades geométricas do sistema Terra-Lua-Sol, Anaxágoras concebeu que, em princípio, o eclipse solar poderia ser causado pela interposição da Lua. Com efeito, podemos constatar que, vista da Terra, a Lua está situada abaixo do Sol; caso contrário, teríamos uma lua cheia no meio e outra no final de cada lunação. Além disso, percebemos que a Lua permanece oculta nas proximidades do Sol durante a lua nova, e que ambos os astros têm aproximadamente o mesmo diâmetro aparente. Um eclipse ocorrido em 478 a.C. tornou possível a verificação da teoria de Anaxágoras. Em conformidade com as predições, um corpo discoide com o diâmetro apropriado cobriu quase totalmente a face do Sol, e isso ocorreu justamente na fase da lua nova. (5)

O golpe de gênio de Anaxágoras é uma evidência de que os pré-socráticos já haviam alcançado a excelência no terreno da ciência empírica, ainda antes da época de Aristóteles, de modo que teríamos de recuar em cerca de 150 anos o nascimento da astronomia científica. (6) Anaxágoras, como veremos, também empreendeu estudos anatômicos de ricas consequências filosóficas. A isso podemos acrescentar o testemunho de Aristóteles, segundo o qual Anaxágoras realizou experimentos primitivos – ou, pelo menos, observações metodicamente conduzidas – para testar a hipótese de que o ar é um corpo, por meio do emprego de odres e de clepsidras (aqui, clepsidra é um antigo instrumento similar à pipeta utilizada pelos químicos). (7) O que dizer, então, da alegação apologética de que a ciência ocidental seria um rebento do cristianismo? (8)

O conhecimento das causas verdadeiras dos eclipses, segundo consta, teve um efeito salutar sobre os homens da esquadra de Péricles. Uma sorte diferente tiveram as tropas sob o comando do general Nícias, cuja carência de luzes filosóficas impediu que um desastre fosse evitado durante a guerra do Peloponeso. De acordo com Plutarco, a ocorrência de um eclipse da Lua em 413 a.C. causou grande pânico nos atenienses que estavam prestes a regressar da Sicília, após o malogrado cerco de Siracusa. “Eles viram-no como um fenômeno estranho e preternatural, um sinal pelo qual os deuses anunciavam alguma grande calamidade”. (9) Orientado por seus áugures a permanecer na Sicília por mais uma revolução completa da Lua, Nícias expôs os atenienses aos ataques dos siracusanos. O general e seus homens foram espezinhados por causa da confiança cega nos dogmas religiosos.

Plutarco apresenta um retrato elegante e saboroso das atitudes opostas de dois homens diante do mesmo fenômeno, em circunstâncias análogas. Péricles foi um fautor do iluminismo grego, um amigo do primeiro pensador da história a elaborar a teoria científica dos eclipses. Nícias, o avesso de Péricles, foi um supersticioso cujo apego às tradições dogmáticas e anticientíficas da religião grega tradicional provocou a ruína da expedição siciliana, embora o próprio Plutarco, um místico rematado (sacerdote no templo de Apolo, em Delfos), não tenha sido um entusiasta da cosmovisão naturalista. Frontino, no entanto, fornece uma versão alternativa do relato da ação pedagógica de Péricles sobre a multidão supersticiosa. Como na anedota do eclipse, Péricles realiza um experimento simples para demonstrar a causa natural de um fenômeno:

Péricles, quando trovejou em seu acampamento, e as tropas aterrorizaram-se, reuniu seus soldados e, arrancando faíscas das concussões de duas pedras, livrou-os de sua perturbação, ensinando-lhes que, do mesmo modo, o atrito das nuvens produziu o trovão. (10)

De acordo com Diógenes Laércio, Anaxágoras negava, com efeito, que Zeus fosse o causador dos fenômenos atmosféricos: “O trovão, ele disse, era produzido pela colisão das nuvens; e o raio, pelo atrito das nuvens”. (11) O contraponto à religião homérica é inequívoco. Num episódio particularmente dramático da Odisseia, por exemplo, Zeus atinge o navio de Ulisses com um raio, ocasionando a morte de seus companheiros. (12)

Fica evidente, pelo exposto, que Anaxágoras tinha como alvo a cosmologia teísta inerente à religião popular dos gregos. Seria redundante supor que os deuses são responsáveis pela produção de uma faísca ou pela interposição de um corpo opaco. Plutarco ainda nos informa de que as explicações naturalistas de Anaxágoras também foram formuladas no terreno da biologia. Uma anedota conta que um carneiro unicórnio foi encontrado numa fazenda de Péricles. Quando levaram a cabeça monstruosa ao seu proprietário, Lâmpon, um áugure tido em alta conta, prognosticou que o prodígio indicava a vitória de Péricles sobre seu adversário político, Tucídides (o filho de Melésias). Na época, havia dois partidos em disputa pelo controle de Atenas, daí a conexão semiótica putativa entre o unicórnio e o triunfo de Péricles. “Lâmpon trata o carneiro como um canal de conhecimento divino sobre o futuro da polis”. (13)

Convidado a interpretar a anomalia, Anaxágoras adota uma via diferente, a da investigação empírica. O filósofo disseca o crânio extraordinário, perscruta com olho clínico o mundo subcutâneo do animal e descobre a causa oculta e puramente natural do fenômeno. De acordo com Plutarco, o cérebro do carneiro não preenchia totalmente a cavidade craniana; em vez disso, tinha a forma de um ovo e estava recolhido ao ponto em que a raiz do único chifre começava. (14) A explicação de Anaxágoras adquire sentido quando se compreende que os gregos acreditavam que os chifres eram afloramentos da matéria encefálica. (15)

Com essa exibição de virtuosismo científico, Anaxágoras granjeou a admiração dos espectadores. Contudo, não podemos ignorar a tenacidade e a recalcitrância das crenças irracionais. Quando Péricles assumiu o poder, o povo passou a acreditar na profecia de Lâmpon. O ensinamento cético de Anaxágoras, ao que parece, tampouco conseguiu triunfar de modo duradouro sobre as superstições de seu discípulo mais ilustre. Teofrasto (via Plutarco) relata que Péricles, tocado pela peste que o levou à morte, foi indulgente com o uso de um amuleto pendurado em seu pescoço pelas mulheres de sua família (a passagem dá a entender que as mulheres costumavam realizar rituais de curandeirismo). À beira do abismo da morte (ademais, ele já havia perdido amigos, filhos e outros entes queridos em decorrência da peste), o grande racionalista acovardou-se. A razão do desmistificador de eclipses foi eclipsada pelas paixões.

O episódio do carneiro faz paralelo com uma anedota narrada por Plutarco em O banquete dos sete sábios. Quando de uma celebração na casa de Periandro, tirano de Corinto, Tales e Díocles são chamados para investigar um misto de homem e de cavalo que acabara de nascer de uma égua. Díocles, um religioso, imagina que o nascimento monstruoso pressagia uma calamidade. Tales, em contrapartida, numa tirada jocosa, recomenda que o anfitrião providencie mulheres para seus jovens pastores. (16) Embora fictícia, a anedota ilustra com fidelidade a índole naturalista do pensamento pré-socrático.

A dissecação realizada por Anaxágoras também é comparável a um procedimento científico descrito em A doença sagrada. Quando o crânio de uma cabra epiléptica foi aberto, descobriu-se que o cérebro estava repleto de uma água fétida. (17) A conclusão do autor hipocrático do tratado é lapidar: “Não é um deus que aflige aqui o corpo, mas uma doença”. (18) Gregory conjetura que Anaxágoras pode ter sido inspirado pelo relato hipocrático. (19)

Não raro, um mero estilhaço de verso ou de prosa pré-socrática dá margem a abundantes e profundos comentários. Heidegger, por exemplo, não escrevia ensaios caudalosos a partir de um único fragmento de Heráclito? Do mesmo modo, a história do carneiro contém uma riqueza filosófica considerável. Tentemos, assim, adquirir uma compreensão mais profunda da postura naturalista de Anaxágoras diante de um fenômeno tradicionalmente dotado de significado religioso.

Numa retomada do argumento a favor da teleologia aduzido no Fédon, Plutarco alega, contra Anaxágoras, que as visões do filósofo natural e do religioso não são antagônicas. O primeiro desvendaria os mecanismos de produção dos fenômenos; o segundo, as causas finais existentes na natureza. Para Plutarco, Platão teve o mérito de purgar a física pré-socrática da impiedade:

Finalmente, a glória de Platão iluminou o mundo e sua doutrina foi publicamente recebida, graças à excelência de sua vida e por submeter a necessidade das causas naturais a um princípio mais poderoso e divino. Assim, ele removeu toda suspeita de impiedade que recaía sobre tais investigações, tornando popular o estudo das matemáticas. (20)

No entanto, o argumento conciliatório de Plutarco possui uma plausibilidade apenas superficial. Com efeito, uma divindade não necessitaria lançar mão de uma má-formação cerebral para gerar uma anomalia externa como a descrita: ela seria capaz de engendrar um carneiro unicórnio com um cérebro perfeito. No mundo das divindades gregas, era corriqueira a realização dos prodígios mais estupendos e inverossímeis. Conta-se, por exemplo, que, certa feita, o deus marinho Proteu “transformou-se primeiro num leão barbudo; depois numa serpente, num leopardo e num enorme javali; depois em água molhada e numa árvore de altas folhas”. (21) Certamente, uma divindade apta a operar tais transformações na estrutura corporal não seria obrigada a produzir um animal unicórnio por meio da modificação prévia do encéfalo (notemos que a transformação da água em árvore é quimicamente equivalente à transformação da água em vinho: uma autêntica criação ex nihilo, uma vez que os componentes da matéria vegetal não estão presentes na água). Noutro episódio miraculoso descrito por Homero, após o sacrifício indevido das vacas do deus Sol, os pedaços de carne nos espetos começam a mugir. (22) Não se supõe, no caso, que a produção de um mugido pela carne morta estivesse atrelada à presença de cordas vocais num bife. Anaxágoras ajuíza com justeza: não se faz com mais o que se pode fazer com menos. A anomalia do carneiro prescinde da intervenção divina. No proverbial encontro entre Laplace e Napoleão Bonaparte ocorrido em 1802, o astrônomo francês teria declarado, em resposta a uma pergunta sobre Deus: “Não tenho necessidade dessa hipótese”. (23) Laplace admitiu a inutilidade do conceito de uma divindade intervencionista na astronomia. De modo análogo procedeu Anaxágoras na investigação da origem de uma monstruosidade.

O gesto de Anaxágoras nada tem de banal ou de simplório. A decisão de dissecar um suposto prodígio pressupõe o conhecimento do princípio da parcimônia explanatória. De fato, o interior do corpo do carneiro não foi feito para ser perscrutado e interpretado pela audácia científica do filósofo; o universo imaginário das intenções divinas pertence, obviamente, ao nível superficial e visível da pele do animal. Anaxágoras acessa, portanto, um domínio estranho às valorações humanas e à religião. Afirma Holmes em sua análise da história do carneiro: “Se os deuses incorporam valores humanos e excelência, esse mundo subterrâneo é inadequado às narrativas que dão sentido a nossas vidas”. (24) Em outras palavras, nenhum deus causou a má-formação cerebral do ovino, de caráter oculto e alheio à semiologia religiosa. Órgãos internos são desnecessários para a comunicação de um sinal dos céus. (25) Cai por terra, assim, a teoria harmonizadora de Plutarco, segundo a qual, no caso do carneiro, o propósito sobrenatural não exclui a existência de causas mecânicas.

Seria interessante constatar a analogia que existe entre o cutelo de Anaxágoras e o telescópio de Galileu. Ambos facultaram o acesso a um mundo oculto e promoveram a implosão da teleologia antropocêntrica. Assim como o cérebro do carneiro, a infinidade de estrelas efetivamente captadas ou meramente sugeridas pela limitação de nossos instrumentos ópticos revela uma realidade estranha às necessidades humanas. O resultado dessas pesquisas é desolador para o intelecto que procura na natureza as evidências das benfeitorias divinas. O recesso de um crânio é tão silencioso quanto os confins do Universo. Ressaltemos que as intenções divinas operariam no espaço da pele do carneiro, do mesmo modo que as estrelas invisíveis seriam inúteis numa cosmologia antropocêntrica.

Em sua análise das explicações teístas, Dawes investiga uma classe particular de explicações na qual está contida a interpretação religiosa do fenômeno do carneiro unicórnio. Algumas vezes, as explicações sobrenaturais dizem respeito a fenômenos que possuem uma explicação natural admitida pelos próprios teístas. Vimos que Plutarco não afirma que a interpretação do cientista natural conflita com a do teólogo, mas que ambas são complementares. Dawes evoca o princípio da parcimônia e observa que a existência de causas secundárias torna redundante o apelo à causalidade divina: “Aparentemente, as causas naturais são consideradas os meios pelos quais Deus alcança seus objetivos. [...] Mas por que Deus deveria escolher algum meio, se ele pode ocasionar esse resultado diretamente, como uma ação básica?”. (26) Aplicado à anedota do carneiro, o argumento de Dawes é uma glosa ao procedimento de Anaxágoras: a verificação de uma anomalia encefálica torna supérflua a explicação em termos de intenções divinas. Cumpre observar que a acusação de redundância explanatória possui uma dupla significação: os deuses são supérfluos do ponto de vista das causas naturais, e as causas naturais são supérfluas do ponto de vista dos deuses.

Na época de Anaxágoras, as anomalias fisiológicas eram atribuídas à agência divina; em nossa época, o problema da origem das espécies biológicas costuma gerar as disputas mais acirradas. Certo é que não poderíamos deixar de mostrar a relevância da atitude científica de Anaxágoras para a análise do capítulo mais candente do atual embate entre a ciência e a religião. A grande controvérsia da cultura contemporânea gira em torno do caráter materialista da evolução darwiniana. Na tentativa de acomodar as crenças religiosas ao conhecimento científico, muitos propõem um argumento análogo ao de Plutarco e aderem à ideia de um processo evolutivo guiado por Deus (para Plutarco, como vimos, tanto Anaxágoras quanto Lâmpon estavam corretos, cada um em sua esfera de competência). Ora, uma postura teórica parcimoniosa como a de Anaxágoras confuta a chamada “evolução teísta”: o designer inteligente poderia criar as espécies orgânicas ex abrupto, como no criacionismo clássico, prescindindo de um processo evolutivo gradual, perdulário e cruento. Morris resume a questão: “A própria ideia de Deus é redundante, até mesmo irracional, se a evolução pode realmente explicar a origem e o desenvolvimento de todas as coisas. Por que inserir um fator na equação quando não há necessidade dele?”. (27) Salta aos olhos, portanto, o paralelo entre a anedota do carneiro e a controvérsia entre o darwinismo e o criacionismo.

Os pré-socráticos despontam como pensadores naturalistas numa sociedade impregnada pela religião (para uma visão da onipresença do imaginário teológico na cultura grega, devemos consultar a Ilíada e a Odisseia). Diferentemente do que ocorreu em Mileto e em outras colônias gregas, a feição materialista do pensamento de Anaxágoras suscitou a reação das autoridades atenienses. Na década de 430 a.C., Diopites lançou um decreto que punia “aqueles que punham em dúvida a existência dos deuses, ou introduziam novas opiniões sobre os fenômenos celestes”. (28) Por volta da mesma época, Anaxágoras foi acusado de impiedade por afirmar que o Sol não era o deus Hélios, mas uma rocha incandescente, ainda que o restante de seus ensinamentos materialistas possa ter contribuído para isso. Anaxágoras foi o primeiro intelectual de que se tem notícia a ser sentenciado por blasfêmia. A prática continua viva até hoje, se levamos em conta o “caso Rushdie”: em 1989, o aiatolá Khomeini pronunciou uma fatwa que sentenciava à morte o escritor indo-britânico Salman Rushdie, autor de Os versos satânicos.

Em Atenas, Anaxágoras não gerou somente a hostilidade religiosa, mas uma influência sobre algumas das personalidades mais eminentes do mundo helênico. Já mencionamos o caso de Péricles. A crermos em Diógenes Laércio, Eurípides foi igualmente um discípulo de Anaxágoras, mas a existência da relação mestre-discípulo não implica que o poeta tenha conhecido pessoalmente o filósofo. O que não se pode negar é que as peças de Eurípides contêm traços das ideias de Anaxágoras. Consideremos os seguintes exemplos: na tragédia perdida Fáeton, Eurípides teria declarado que “o Sol era um torrão dourado”; (29) no Belerofonte, outra tragédia perdida, o personagem-título recorre à existência do mal e da injustiça para desacreditar a existência dos deuses. (30)

É provável que outro ateniense ilustre, o historiador Tucídides, tenha se beneficiado do contato com o ceticismo religioso de Anaxágoras. A tradição também fala de uma relação pessoal entre mestre e discípulo, mas não precisamos nos comprometer com uma tese tão onerosa. É suficiente constatar a presença na História da guerra do Peloponeso de uma tendência naturalista que pode muito bem provir dos ensinamentos de Anaxágoras. Ao descrever, por exemplo, o comportamento popular diante de um acontecimento funesto, a grande peste de Atenas, Tucídides realça a inutilidade das súplicas religiosas e das consultas a oráculos. (31) Destarte, Tucídides é considerado o fundador da historiografia científica e contraposto ao fantasista Heródoto. “Em contraste com algumas das maiores obras da literatura grega, os deuses estão ausentes e não desempenham nenhum papel em sua História”. (32)

Nossas considerações sobre o materialismo de Anaxágoras seriam enfraquecidas se a crítica da religião grega tivesse como contrapartida a defesa de um pensamento teleológico supostamente esclarecido: como se, em nome de uma teologia purificada, Anaxágoras impugnasse apenas os vícios da religião popular. Não é isso o que ocorre. As evidências disponíveis indicam que Anaxágoras não foi um proponente do design inteligente. Para entendermos essa rejeição da teleologia sobrenatural, lancemos um olhar sobre a parte da filosofia de Anaxágoras que poderia justificar a acusação de criacionismo, a cosmogonia que principia com a ação de uma mente cósmica (nous) sobre a matéria.

A cosmogonia de Anaxágoras está associada a uma teoria da matéria de compreensão bastante ingrata. Não pretendemos, aqui, deslindar as dificuldades que têm feito crispar os cérebros dos exegetas. Assinalemos apenas os traços dessa teoria que são imprescindíveis para uma descrição adequada da cosmogonia de Anaxágoras. Nosso filósofo propõe um modelo pluralista de matéria que visa conciliar a lógica incontornável do eleatismo com o testemunho irrecusável dos sentidos. Há um número indefinido de elementos (ultrapassamos, portanto, as quatro raízes de Empédocles). Cada um deles corresponde ao ser ingênito e imperecível de Parmênides. Assim, se a geração e a corrupção são inconcebíveis, o devir é explicado somente pela associação e pela dissociação dos elementos imutáveis.

Assim como Anaximandro, Anaxágoras supõe a existência de um mare-magnum primordial em que todas as coisas estão completamente misturadas. Mas, diferentemente de Anaximandro e dos outros hilozoístas, Anaxágoras julga que a matéria é inerte; todo movimento que encontramos no mundo deve ser atribuído a uma causa externa. O agente que põe a matéria em movimento é o nous, a inteligência originária que, embora material, difere da matéria grosseira que compõe o Universo (na filosofia anterior a Platão, o espírito era invariavelmente concebido como uma matéria sutil). (33) Muitos comentadores alegam que o dualismo empírico de Anaxágoras seria um encaminhamento em direção ao dualismo metafísico, ou seja, uma expressão imperfeita de uma forma filosófica eminentemente platônica. (34) Não há evidências disso. Com efeito, muitos filósofos posteriores a Platão (como os estoicos) defenderam o dualismo empírico. Assim, nada impediria que um pensador ciente da contribuição de Platão aderisse a uma ontologia como a de Anaxágoras.

As evidências existentes indicam que a inteligência desempenha um papel bastante restrito no processo cosmogônico relatado por Anaxágoras. Impulsionado pelo nous, um pequeno redemoinho é formado em alguma parte da massa indiferenciada de matéria. O movimento rotatório adquire uma extensão cada vez maior, o que provoca a segregação dos elementos, ainda que a pureza jamais seja alcançada: de acordo com Anaxágoras, “Em tudo há uma porção de tudo”. (35) Ouro, por exemplo, é aquilo em que há uma porção maior de ouro, embora ele contenha uma parcela de todos os outros elementos. Em contrapartida, por razões não muito claras, Anaxágoras sustenta que o nous necessita ser livre de qualquer mistura para desempenhar as funções que lhe são próprias.

Conforme a interpretação que favorecemos, o nous é responsável unicamente pelo impulso que dá origem ao vórtice primordial; toda a evolução cósmica subsequente é explicada por causas secundárias puramente materiais. Assim, o cosmo ordenado é resultado da centrifugação que toma conta da matéria caótica. Anaxágoras fala do surgimento de uma estratificação: os corpos mais densos coalescem no centro do vórtice, onde formam a Terra; a matéria mais rala desloca-se para a periferia, a região do éter. (36) Posteriormente, com o aumento da energia da revolução dos céus, algumas massas rochosas arrancadas da Terra são capturadas pelo movimento do éter e inflamadas, o que explica a origem do Sol, da Lua e das estrelas. Como podemos observar, Anaxágoras foi o proponente original da física dos turbilhões, a qual se tornou célebre nas cosmogonias naturalistas de Demócrito, Descartes e Laplace.

A visão tradicional de que Anaxágoras não fez uso das explicações teleológicas foi recentemente posta em causa por alguns exegetas. Em Creationism and Its Critics in Antiquity, Sedley argumenta que o cosmo de Anaxágoras contém sinais de design inteligente. De fato, ao iniciar a rotação, o nous tinha consciência do resultado dessa operação. No entanto, por que a mente não poderia prever as consequências de um processo puramente mecânico? Não podemos conhecer, por exemplo, os estados subsequentes ao derretimento de uma geleira, sem que haja a menor intervenção de um agente inteligente no processo? Além disso, não há motivos para se pensar que a formação de um vórtice requer a ação criativa de uma inteligência, e sabemos que o cosmo de Anaxágoras é resultante da distribuição da matéria pelo movimento circular, de acordo com as leis da física. Nas palavras de Nietzsche,

Uma vez que o círculo de Anaxágoras é movido, e que o nous dá início a suas revoluções, toda ordem, toda conformidade à lei e toda beleza do mundo são somente as consequências naturais desse primeiro impulso. [...] Não é um pensamento sublime, derivar totalmente a magnificência do cosmo e os maravilhosos arranjos das órbitas estelares de um único movimento simples e puramente mecânico, de uma figura matemática em movimento? (37)

O reverendo Paley, cujo entendimento do assunto não poderia ser contestado (ele é considerado o autor da exposição mais conseguida e popular do argumento do desígnio), admite de bom grado que algumas entidades simples podem ser geradas pelo acaso:

No corpo humano, por exemplo, o acaso, isto é, a operação de causas destituídas de planejamento, pode produzir um cisto, uma verruga, uma pinta, uma espinha, mas nunca um olho. Entre as substâncias inanimadas, um torrão, um seixo, uma gota de líquido; mas nunca um relógio, um telescópio, um corpo organizado de qualquer tipo, satisfazendo a um propósito valioso por um complicado mecanismo, foi o efeito do acaso. (38)

Do mesmo modo, ninguém atribuiria a produção de um redemoinho a uma força teleológica. Uma causa ininteligente seria plenamente capaz de originar um volteio ou uma convolução de matéria, fato reconhecido até mesmo pelo criacionista mais pacóvio. Sedley fecha os olhos para a diferença que existe entre o movimento circular provocado pelo nous e as entidades funcionalmente complexas que fascinam os adeptos do argumento do desígnio. Ora, essa cegueira milita contra os que inserem Anaxágoras na facção dos criacionistas. Em resumo, o nous é uma causa eficiente, e não uma causa final. Na cosmogonia de Anaxágoras, o movimento rotatório não implica na admissão de um artífice inteligente, e a estrutura do cosmo decorre tão-somente da estratificação da matéria que ele origina de modo puramente mecânico. (39) Para retomar o raciocínio de Paley, o redemoinho gerador de toda a ordem observável não é mais complexo do que um torrão, um seixo ou uma gota de líquido.

A interpretação que defendemos é autorizada pelo valioso testemunho de Platão. No trecho do Fédon acerca dos deméritos do naturalismo pré-socrático, Sócrates expressa sua frustração com o fato de que Anaxágoras, após um interlúdio promissor, não tenha levado adiante as implicações da ideia de design inteligente. Em que pese seu discurso em prol dos poderes causais da inteligência cósmica, o filósofo do nous adere ao materialismo. Platão relata as seguintes palavras de Sócrates:

Certo dia ouvi alguém que lia um livro de Anaxágoras. Dizia este que “o espírito é o ordenador e a causa de todas as coisas”. Isso me causou alegria. Pareceu-me que havia, sob certo aspecto, vantagem em considerar o espírito como causa universal. Se assim é, pensei eu, a inteligência ou espírito deve ter ordenado tudo e tudo feito da melhor forma. [...] Grandes eram as minhas esperanças! Pus-me logo a ler, com muita atenção e entusiasmo os seus livros. [...] Mas, meu grande amigo, bem depressa essa maravilhosa esperança se afastava de mim! À medida que avançava e ia estudando mais e mais, notava que esse homem não fazia nenhum uso do espírito nem lhe atribuía papel algum como causa na ordem do universo, indo procurar tal causalidade no éter, no ar, na água e em muitas outras coisas absurdas! (40)

A contraposição da causalidade dos elementos materiais (éter, ar, água etc.) à causalidade da inteligência é suficiente para aproximar Anaxágoras do materialismo cosmológico estrito. O que ocorre é que a admissão de uma inteligência irredutível que injeta movimentos no mundo impede que Anaxágoras seja incluído entre os materialistas puros, ainda que a rejeição das explicações teleológicas seja um traço de sua cosmologia.

Temos bons motivos para levar em consideração o testemunho supracitado de Platão. Diferentemente dos exegetas modernos, obrigados a lidar com um punhado de fragmentos esparsos, Platão teve acesso à integralidade da obra de Anaxágoras. Ademais, o parecer de Platão é endossado por vários autores antigos, dentre os quais se destaca Aristóteles. (41)

Anaxágoras, portanto, não foi somente um detrator daquilo que poderíamos chamar de religião grega vulgar. Não há nenhuma evidência de que ele tenha salvado as explicações teleológicas num domínio propriamente filosófico, e o testemunho de Platão – que, com grande probabilidade, conhecia a obra de Anaxágoras melhor do que nós – faz pender a balança para o lado do materialismo cosmológico. Anaxágoras, por outro lado, não professou o materialismo psicológico (em sentido estrito). Pois, segundo ele, as funções psíquicas dos indivíduos viventes são executadas pelo nous, e não pelos corpos “físicos”, o que equivale a dizer que Anaxágoras foi um dualista empírico (como um agente constituído de uma espécie exótica de matéria, o nous deve ser considerado um componente do mundo empírico e contraposto ao espírito estritamente imaterial da ontologia cartesiana). É evidente, por exemplo, que a racionalidade humana não é uma atividade do cérebro, mas a presença do nous nos corpos humanos. (42)


Bibliografia

ANAXÁGORAS; CURD, P. Anaxagoras of Clazomenae. Fragments and Testimonia. A Text and Translation with Notes and Essays by Patricia Curd. Toronto: University of Toronto Press, 2007.

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Notas (Clique pra voltar ao texto)

(1) PLUTARCO, Lives, cap. XXVII, p. 376.

(2) O materialismo cosmológico, equivalente ao ateísmo, deve ser distinguido do materialismo psicológico, que nega a existência de uma alma imaterial. Não há nenhuma ligação obrigatória entre ambos. Mencionemos como prova o caso de La Mettrie, um materialista psicológico paradigmático que professava o agnosticismo com relação à existência de Deus. Em certas ocasiões, porém, o autor de O homem máquina vai além do agnosticismo: “Não é que eu ponha em dúvida a existência de um ser supremo; parece-me, ao contrário, que o maior grau de probabilidade é por ela”. Cf. L’homme machine, pp. 96-97. O exemplo da antropologia bíblica também é significativo. Originalmente, o dualismo corpo-alma era totalmente estranho às crenças judaicas e cristãs. “Tanto a cosmovisão científica quanto a cosmovisão bíblica assumem – em contraposição a alegações espiritualistas de reencarnação, projeção astral e séances com os mortos – que, sem nossos corpos, nada somos”. Cf. D. MYERS, A Friendly Letter to Skeptics and Atheists, p. 31. Quanto à posição inversa, podemos citar o exemplo da vertente ateia do espiritismo. Os pesquisadores espíritas holandeses Zaalberg van Zelst e Matla de La Haye asseveram que “os espíritos mais inteligentes protestam positivamente contra a ideia de Deus”. Apud R. GUÉNON, The Spiritist Fallacy, p. 146. Em virtude da habitual associação entre as duas vertentes do materialismo, julgamos necessário fornecer os testemunhos acima. Anaxágoras esteve próximo do materialismo cosmológico puro (ateísmo), sem jamais transigir com a redução da mente humana a uma função do corpo.

(3) God and The Folly of Faith: The Incompatibility of Science and Religion, p. 52.

(4) PLUTARCO, Lives, cap. IX, p. 127.

(5) D. W. GRAHAM, Anaxagoras. Science and Speculation in the Golden Age. In: J. McCOY (Ed.), Early Greek Philosophy. The Presocratics and the Emergence of Reason, pp. 148-150.

(6) Para uma defesa da tese de que o início da astronomia científica remonta à contribuição de Anaxágoras, ver D. W. GRAHAM, Science Before Socrates. Parmenides, Anaxagoras, and the New Astronomy.

(7) Physique, liv. IV, cap.VIII, § 3.

(8) R. Stark, por exemplo, sustenta que o cristianismo é a única cosmovisão capaz de possibilitar a existência da ciência. Cf. For the Glory of God. How Monotheism Led to Reformations, Science, Witch-Hunts, and the End of Slavery, cap. 2.

(9) PLUTARCO, Lives, cap. XXVII, p. 376.

(10) Strategematicon, or Greek and Roman Anecdotes, Concerning Military Police, and the Science of War, liv. I, cap. XII, art. 10, p. 127.

(11) Lives and Opinions of Eminent Philosophers, liv. II, p. 60.

(12) Canto XII, p. 332.

(13) B. HOLMES, The Symptom and the Subject. The Emergence of the Physical Body in Ancient Greece, p. 84.

(14) Lives, cap. IX, p. 115.

(15) Eliano atribui a Demócrito uma explicação do desenvolvimento dos chifres dos cervídeos e dos bovídeos, segundo a qual os ossos do crânio desses animais são como membranas permeáveis, o que permite o fluxo de humores que se solidificam em contato com o ar frio do ambiente. Apud C. C. W. TAYLOR, The Atomists: Leucippus and Democritus. Fragments. A Text and Translation with a Commentary by C. C. W. Taylor, pp. 131-132.

(16) Obras morais. O banquete dos sete sábios, cap. III, pp. 63-65.

(17) Podemos constatar que um crânio aberto de carneiro e outro de cabra estiveram presentes em momentos significativos da história da ciência. Numa época mais recente (1790), Goethe (ou Oken, segundo uma versão alternativa do relato), durante uma andança por um cemitério judaico de Veneza, deparou com um crânio quebrado e escaldado de carneiro. Ao examinar a estrutura, Goethe teve o insight (tão profícuo em termos evolutivos) de que os crânios são formados de vértebras modificadas. Cf. R. FRIEDENTHAL, Goethe. His Life & Times, p. 279.

(18) Oeuvres choisies, p. 630.

(19) The Presocratics and the Supernatural. Magic, Philosophy and Science in Early Greece, p. 120.

(20) Lives, cap. XXVII, pp. 376-377.

(21) Odisseia, Canto IV, p. 181.

(22) Ibid., Canto XII, p. 331.

(23) Apud R. HAHN, Pierre Simon Laplace, 1749-1827: A Determined Scientist, p. 172.

(24) The Symptom and the Subject. The Emergence of the Physical Body in Ancient Greece, p. 85.

(25) Numa passagem curiosa, Berkeley pergunta: se Deus (na perspectiva ocasionalista) é a causa imediata do funcionamento dos organismos, qual a utilidade de um sistema tão complexo de órgãos internos e invisíveis? Por que um animal necessita de um coração batendo no peito? Ou, então, se Deus dirige os ponteiros do relógio para indicar as horas, “Por que uma caixa vazia não serviria do mesmo modo?”. Cf. A Treatise Concerning the Principles of Human Knowledge, art. LX, p. 85. A indagação de Berkeley cai como uma luva na análise da história do carneiro. Se uma divindade utiliza a morfologia externa de um animal como instrumento de comunicação, o que poderia justificar a modificação do interior do crânio? Um cérebro intacto não seria suficiente? A objeção naturalista é forte demais para ser rebatida pelo argumento de Plutarco.

(26) Theism and Explanation, p. 68 (grifo do autor).

(27) The Modern Creation Trilogy. Vol. I. Scripture and Creation, p. 102.

(28) PLUTARCO, Lives, cap. IX, p. 125.

(29) DIÓGENES LAÉRCIO, Lives and Opinions of Eminent Philosophers, liv. II, p. 60.

(30) The Greek Tragic Theatre. Vol. V, p. 343.

(31) The Peloponnesian War, liv. II, p. 96.

(32) P. ZAGORIN, Thucydides. An Introduction for the Common Reader, p. 146.

(33) “Pois ele [o nous] é a mais sutil de todas as coisas e a mais pura”. Cf. ANAXÁGORAS, Anaxagoras of Clazomenae. Fragments and Testimonia. A Text and Translation with Notes and Essays by Patricia Curd, frag. B12, p. 23.

(34) Ver, por exemplo, D. SEDLEY, Creationism and Its Critics in Antiquity, p. 12.

(35) Anaxagoras of Clazomenae. Fragments and Testimonia. A Text and Translation with Notes and Essays by Patricia Curd, frag. B12, p. 23.

(36) “O denso, o úmido, o frio e o sombrio vieram juntos para cá, onde a Terra está agora; mas o rarefeito, o quente, o seco e o luminoso migraram para os confins do éter”. Cf. ANAXÁGORAS, Anaxagoras of Clazomenae. Fragments and Testimonia. A Text and Translation with Notes and Essays by Patricia Curd, frag. B15, p. 27.

(37) Philosophy in the Tragic Age of the Greeks, p. 109.

(38) Natural Theology, cap. V, p. 87.

(39) Há uma semelhança notável entre a física de Descartes e a de Anaxágoras: ambos concebem a matéria como desprovida de forças (o que os afasta do materialismo cosmológico), e derivam de causas mecânicas cegas a gênese de todos os componentes do Universo (o que os aproxima do materialismo cosmológico). O seguinte dito de Pascal sintetiza com perfeição a cosmogonia cartesiana: “Eu não posso perdoar Descartes: bem quisera ele, em toda a sua filosofia, prescindir de Deus; mas não pôde evitar fazer com que ele desse um piparote para pôr o mundo em movimento; depois disso ele não precisa mais de Deus”. Cf. Pensées, p. 410. Descartes e Anaxágoras professam, portanto, uma teologia minimalista em que a inteligência originária é meramente a causa eficiente (e não a causa teleológica) dos movimentos que produzem o cosmo.

(40) PLATÃO, Fédon, p. 110.

(41) “O próprio Anaxágoras, na constituição do Universo, serve-se da Inteligência como de um deus ex machina, e só quando se encontra em dificuldade para dar a razão de alguma coisa evoca a Inteligência; no mais, atribui a causa das coisas a tudo, menos à Inteligência”. Cf. ARISTÓTELES, Metafísica, 985 a 18-22.

(42) Como bem expressa Drozdek, “O homem pode raciocinar somente porque ele está constantemente conectado à fonte de racionalidade que energiza a alma”. Cf. Greek Philosophers as Theologians: The Divine Arche, p. 93.

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