Gênesis 1:21
Os céus declaram a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos.
Salmos 19:1
Introdução
O Universo foi projetado? Há sinais empíricos que indicam a existência de um criador inteligente? A matéria impensante seria suficiente para explicar todas as características do Universo? Desde a Antiguidade, os filósofos propuseram vários argumentos para a existência de Deus. O argumento do desígnio é o mais popular. Como afirmou Kant, “Esta prova merece sempre ser citada com respeito. Trata-se da mais antiga, mais clara e mais conforme com a razão humana comum”. (1)
O argumento do desígnio é apresentado em duas modalidades básicas: a cosmológica, baseada nas características do Universo inanimado, e a biológica, baseada nas características dos seres vivos. A vertente biológica, por sua vez, compreende as subvertentes funcionalista, que privilegia as adaptações orgânicas, e a formalista, que privilegia as correspondências profundas entre as partes dos organismos (homologias). No entanto, as maravilhas das adaptações biológicas sempre foram o tema preferido dos proponentes do argumento do desígnio. De Galeno a William Paley (para citar os dois maiores expoentes da teologia natural teleologista), a complexidade funcional dos organismos foi utilizada como uma poderosa arma contra as explicações materialistas da origem das espécies. Já a vertente formalista, que jamais foi popular, rejeita as explicações em termos de causas finais e propõe uma teoria dos arquétipos. Seus maiores expoentes foram Louis Agassiz e Richard Owen.
Na Origem das espécies (1859), Darwin confrontou a versão biológica do argumento do desígnio e forneceu uma explicação naturalista da formação das características orgânicas (sejam elas adaptativas ou homológicas).
Nossos objetivos no presente artigo são dois: apresentar o argumento biológico do desígnio e as objeções que podem ser formuladas contra ele a partir da perspectiva darwiniana.
A formulação do argumento e a resposta de Darwin
Nos Diálogos sobre a religião natural (1779), David Hume introduz três personagens fictícios que travam um animoso debate. Cleanthes defende o argumento biológico do desígnio (em sua versão funcionalista) e menciona o exemplo clássico da complexidade do olho: “Observe, anatomize o olho: inspecione sua estrutura e sua engenhosidade; e me diga, a partir de seus próprios sentimentos, se a ideia de um artífice não se impõe imediatamente com a força de uma sensação”. (2) Philo, o oponente de Cleanthes, desenvolve o argumento em questão como uma preparação para sua crítica: “Arremesse uma porção de peças de aço, sem contorno ou forma; elas jamais se organizarão para compor um relógio. Pedras, argamassa e madeira, sem um arquiteto, jamais constroem uma casa”. (3) Cleanthes e Philo expressam uma intuição tenaz, segundo a qual a matéria impensante (que opera conforme o acaso e a necessidade) seria incapaz de gerar as admiráveis estruturas biológicas.
Relógios e olhos são estruturas complexas. Ademais, são estruturas adaptadas a um determinado fim (causa final). Teleologia (do grego télos, “finalidade”) é a doutrina dos propósitos ou causas finais existentes na natureza. De acordo com os partidários da teologia natural teleologista, a complexidade adaptativa reclama a existência de um artífice inteligente. Ao cruzar um campo, o reverendo Paley depara com uma pedra. A produção de uma rocha – uma entidade simples – não coloca nenhum problema especial. As coisas mudam de figura quando Paley encontra um relógio em seu caminho. Como ele afirma em sua Natural Theology (1802), “Não pode haver design sem um designer; planejamento sem um planejador; arranjo, sem algo capaz de arranjar”. (4) Posteriormente, Paley descobre máquinas orgânicas incomparavelmente mais sofisticadas, e as conclusões tiradas da estrutura de um relógio são reforçadas: as entidades biológicas necessitam de um designer incomparavelmente mais inteligente.
Em meados do século XIX, Charles Darwin e Alfred Russel Wallace propuseram uma teoria materialista que se tornou amplamente aceita e arruinou o argumento do desígnio em sua modalidade biológica. Numa carta a Ferdinand Lassalle de 16 de janeiro de 1861, Marx escreveu que “O livro de Darwin [A origem das espécies] desfere pela primeira vez um golpe mortal na teleologia das ciências da natureza”. (5) Marx refere-se à modalidade biológica e funcionalista do argumento do desígnio. Podemos afirmar que Darwin pagou as notas promissórias fornecidas pelos materialistas anteriores e mostrou como a matéria estúpida é capaz de criar as adaptações orgânicas. O mecanismo evolutivo defendido por Darwin é chamado de seleção natural. A evolução darwiniana é um processo gradual que vai do simples ao complexo e que ocorre por meio da conservação e acumulação das características hereditárias que favorecem a sobrevivência e a reprodução dos organismos.
Darwin não foi um ateu, e sim um agnóstico (6) (a denominação foi criada por seu amigo, Thomas Huxley). Entretanto, seu agnosticismo dizia respeito apenas à existência de um criador do Universo e das leis naturais, e não à existência de um criador dos organismos. Podemos dizer, portanto, que o agnosticismo de Darwin era relativo à hipótese deísta, e não à hipótese teísta. De acordo com o deísmo, Deus é a causa primeira que estabelece as leis da física e depois abandona a natureza à sua própria sorte. O teísmo, por outro lado, sustenta a existência de um Deus que intervém no curso dos fenômenos naturais (na forma de milagres), como o Deus da Bíblia. Em outras palavras, Darwin realmente impugnou a doutrina da criação sobrenatural dos seres vivos, e manteve-se indeciso somente em relação a uma causa remota das leis da natureza.
Vejamos a seguir algumas objeções ao argumento biológico do desígnio que podem ser formuladas a partir da perspectiva darwiniana: a objeção do regresso infinito, da anatomia comparada, do registro fossilífero e da distribuição geográfica dos organismos.
A objeção do regresso infinito
Na refutação do argumento do desígnio da Crítica da razão pura (“Da impossibilidade da prova físico-teológica”), Kant demonstra que o exame das características do mundo empírico (estruturas teleologicamente orientadas, adaptações) permite, no máximo, o estabelecimento da existência de um arquiteto do Universo, e não de um Criador metafísico ou transcendente (externo ao sistema da natureza). (7) Um arquiteto do Universo é um ser empírico que opera obrigatoriamente sobre uma matéria pré-existente, ou seja, sobre a substância do mundo. Kant observou que o argumento do desígnio promove uma confusão entre a investigação empírica e a especulação metafísica: o exame de estruturas mundanas é indevidamente utilizado para a sustentação de uma hipótese transcendental. Na realidade, efeitos empíricos só poderiam remeter a causas empíricas:
Pois como pode alguma vez ser dada uma experiência que devesse adequar-se a uma ideia [transcendental]? A peculiaridade da ideia consiste precisamente no fato de nenhuma experiência jamais poder congruir com ela. A ideia transcendental de um ente originário, necessário e totalmente suficiente [Deus], é tão exaltadamente grande, tão elevadamente superior a todo o empírico, que é sempre condicionado, que por um lado jamais se pode encontrar na experiência matéria suficiente para preencher tal conceito, e por outro lado anda-se sempre às apalpadelas sob o condicionado e procurar-se-á constantemente em vão o incondicionado, com respeito ao qual nenhuma lei de qualquer síntese empírica fornece-nos um exemplo ou a mínima orientação para tal. (8)
O argumento do desígnio é baseado numa analogia com a construção de objetos por artífices humanos (o relógio de Paley, por exemplo). No entanto, o Universo não é um objeto, mas o próprio sistema dos objetos empíricos. Uma causa do Universo, portanto, seria uma incoerência (conforme Kant, o conceito de causalidade realiza exclusivamente a conexão entre componentes do mundo empírico); uma causa no Universo, por outro lado, seria um item do sistema do mundo empírico.
A argumentação de Kant realiza apenas aquilo que se propôs a realizar: a refutação de uma prova da existência de um Deus metafísico. Ela deixa em aberto a questão da existência de um designer inteligente imanente (um arquiteto do Universo). Para investigá-la, necessitamos de instrumentos conceituais estranhos ao escopo da Crítica da razão pura.
Consideremos, assim, os possíveis caracteres de um artífice empírico putativo. Uma entidade mundana capaz de conceber e produzir a complexidade adaptativa dos organismos é necessariamente uma entidade complexa (uma forma de vida alienígena, por exemplo). É evidente que não avançamos um passo sequer quando pressupomos a complexidade como a causa da complexidade orgânica. Trata-se da falácia da petição de princípio. Uma explicação autêntica deve partir da simplicidade e alcançar a complexidade como o resultado de um processo construtivo. Essa explicação foi fornecida por Darwin. As produções orgânicas são variáveis, e os pequenos desvios estruturais hereditários podem ser acumulados ao longo de um processo dirigido pelas pressões seletivas das diversas condições ambientais.
Destarte, a distinção elaborada por Kant (entre um designer empírico e um Deus metafísico) é a via que conduz o suposto artífice inteligente do Universo ao triturador darwiniano: dê a Darwin uma estrutura complexa – como o olho humano – e ele mostrará, num procedimento de engenharia reversa, como ela pode ser desmembrada e construída através de um processo gradual que parte das formas mais simples:
A razão me diz que, se é possível mostrar a existência de numerosas gradações a partir de um olho simples e imperfeito até um olho complexo e perfeito, cada gradação sendo útil a seu possuidor, como é certamente o caso; se, além disso, o olho sempre varia e as variações são herdadas, como também é certamente o caso; e se tais variações devem ser úteis a qualquer animal sob condições cambiantes de vida, então a dificuldade em se acreditar que um olho perfeito e complexo pode ser formado pela seleção natural, embora insuperável por nossa imaginação, não deve ser considerada subversiva à teoria. (9)
Em suma, um designer inteligente, se existisse, seria um elo tardio de um longo processo evolutivo, e não a causa primeira da complexidade orgânica. Rejeitar a formação evolutiva de um designer inteligente equivaleria a admitir que uma sopa de letras pudesse formar ao acaso uma página da Bíblia, ou que um furacão pudesse construir um automóvel ao passar por um ferro-velho. O bom senso não poderia aceitar uma improbabilidade tão monstruosa.
A objeção da anatomia comparada
Inúmeros fatos anatômicos intrigantes testemunham contra a visão funcionalista (teleológica) e, consequentemente, fornecem uma objeção contra a existência de um designer inteligente dos organismos. O estudo dos órgãos rudimentares e das homologias pertence à província da anatomia comparada. Darwin investigou-os especialmente no capítulo 13 da Origem das espécies. Vejamos alguns exemplos. O ganso-de-magalhães (Chloephaga picta) e a fragata são aves palmípedes que nunca entram na água. (10) Vários besouros possuem asas hermeticamente cobertas por élitros soldados. (11) Cavalos modernos têm apenas um dedo funcional em cada pé, mas há vestígios de outros dois dedos acima dos cascos. (12) Gould nos informa a respeito da existência de cavalos que nascem com dedos a mais, como se o animal regredisse a um estágio anterior de desenvolvimento (o fenômeno é chamado de atavismo). (13)
Um Criador providencial jamais produziria olhos incapazes de enxergar. No entanto, muitos animais adaptados a ambientes trevosos (cavernas, galerias subterrâneas) possuem olhos, algumas vezes bem desenvolvidos, cobertos por uma membrana que os despojam de qualquer serventia. (14)
A anatomia comparada revelou que o corpo humano é um repositório de peças indignas da sabedoria de uma divindade criadora. Consideremos, por exemplo, os músculos responsáveis pela movimentação do pavilhão auditivo, inteiramente supérfluos na espécie humana, (15) ou a pequena prega (plica semilunaris) situada no canto interno do olho, um remanescente atrofiado e não funcional de uma terceira pálpebra interna (membrana nictitante) presente em outros mamíferos, aves, répteis e peixes. (16)
Talvez os exemplos mais surpreendentes de órgãos rudimentares sejam os remanescentes do plano corporal dos tetrápodes. Algumas serpentes (boas e pítons) são dotadas de rudimentos de membros posteriores. (17) De modo similar, todos os cetáceos modernos apresentam remanescentes da cintura pélvica enterrados no abdômen. Com efeito, é na pélvis que os membros posteriores dos tetrápodes são inseridos. Além de ossos pélvicos, baleias-jubarte têm remanescentes do fêmur. Ocasionalmente, baleias modernas (cachalotes e baleias-jubarte) são encontradas com protrusões de membros posteriores rudimentares. As protrusões podem conter remanescentes do fêmur, da tíbia, do tarso e até mesmo das falanges. De acordo com Coyne, cerca de uma em cada quinhentas baleias nasce com protrusões de membros posteriores. (18)
O sistema nervoso dos vertebrados oferece uma das mais eloquentes refutações do criacionismo. Nos peixes, o nervo laríngeo recorrente sai do cérebro e segue uma via curta e direta até uma brânquia situada nas proximidades do coração. Nos mamíferos, o mesmo nervo sai do cérebro, mas segue uma via tortuosa e indireta até chegar à laringe (daí o nome “recorrente”). O nervo passa perto do coração, mas depois viaja de volta pelo pescoço e entra na laringe. Nas girafas, o percurso é bastante longo. A distância entre o cérebro e a laringe da girafa é de apenas alguns centímetros, mas o desvio “planejado pelo designer inteligente” chega a inúteis cinco metros! (19)
Para Agassiz, a existência de órgãos rudimentares é suficiente para refutar a teologia natural funcionalista:
O argumento para a existência de um Criador inteligente é geralmente derivado da adaptação de meios a fins, sobre a qual os tratados de Bridgewater, por exemplo, foram baseados [...]. E o argumento derivado da conexão entre órgãos e funções não me parece satisfatório; pois, além de certos limites, ele sequer é verdadeiro. Encontramos órgãos sem funções, como, por exemplo, os dentes da baleia, que nunca irrompem a gengiva, e mamas em todos os machos da classe dos mamíferos. Estes e órgãos similares são preservados em obediência a uma certa uniformidade de estrutura fundamental, verdadeira para a fórmula original dessa divisão da vida animal, mesmo quando não é essencial para seu modo de existência. O órgão permanece, não para o desempenho de uma função, mas com referência a um plano. (20)
Como mostrou Darwin, os órgãos vestigiais são explicados pela seleção natural que gradualmente elimina ou remodela as características inúteis com vistas a melhores adaptações.
Os fatos de homologia também contrariam as explicações funcionalistas. De acordo com Owen, um dos pais da anatomia comparada, homólogo é “O mesmo órgão em diferentes animais sob toda variedade de forma e função”. (21) Consideremos o caso das homologias dos ossos dos membros anteriores dos vertebrados. A mão humana, a pata do cavalo, a asa do morcego, a pata da toupeira e a nadadeira da baleia são construídas a partir da mesma estrutura básica ou arquétipo, a despeito da disparidade de suas funções e de suas formas superficiais. Não há, portanto, uma explicação funcionalista (teleológica) para as homologias. Nas palavras de Ruse, “Para os teleologistas pré-darwinianos – Cuvier e Whewell especialmente – os órgãos vestigiais eram irritantes e as homologias, totalmente ameaçadoras”. (22) Após assistir ao célebre debate entre Geoffroy Saint-Hilaire e Georges Cuvier em 1830, Goethe fez a seguinte declaração acerca do aspecto essencial do ponto de vista formalista de Geoffroy, o grande anatomista comparativo francês: “É necessário mencionar, como o mais importante, o fato de ele ter mostrado a inutilidade das explicações em termos de causas finais”. (23) Se a hipótese das criações especiais fosse verdadeira, por que os seres vivos exibiriam semelhanças estruturais que transparecem através de órgãos destinados às funções mais discrepantes? Por que um designer inteligente produziria uma nadadeira de baleia com a mesma estrutura óssea de um braço humano?
Um outro exemplo. Segundo os espíritos piedosos, as suturas cranianas flexíveis do feto humano são um sinal de uma divindade benévola que nada cria de inútil, permitindo a compressão e a movimentação do crânio através do canal vaginal. Mas, como mostrou Owen, essa característica não poderia ter sido projetada para o parto humano, pois as suturas cranianas também estão presentes em aves e répteis, os quais nascem de ovos. (24) Elas são, portanto, traços homólogos desvinculados de qualquer utilidade.
O criacionismo é incapaz de explicar os caracteres homólogos e a existência de órgãos rudimentares. Tomemos o exemplo do aparecimento das baleias. Apesar de seu formato externo, as baleias são mamíferos marinhos. Como todos os mamíferos, elas têm sangue quente, respiram por pulmões, amamentam seus filhotes e têm pelos no corpo (ao redor dos lábios). (25) Além disso, as baleias de barbatanas (estruturas filtradoras da cavidade bucal) desenvolvem dentes não funcionais durante a fase embrionária. (26) Há cerca de 40 milhões de anos as baleias modernas surgiram. De acordo com Gould, “As baleias devem ter evoluído durante o Eoceno, há cerca de 50 milhões de anos, porque as rochas do final do Eoceno e do Oligoceno já contêm cetáceos totalmente marinhos, bem posteriores a qualquer ponto intermediário”. (27) Os primeiros mamíferos surgiram há cerca de 200 milhões de anos. Portanto, quando as baleias modernas apareceram, os mamíferos já existiam há aproximadamente 160 milhões de anos. O fato depõe contra o criacionismo. Por que Deus criaria, no oceano, formas aparentadas às que já existiam em terra firme? Na hipótese criacionista, teríamos criações independentes de seres estruturalmente idênticos. Somente a admissão de um capricho do Criador poderia justificar uma hipótese tão extravagante.
Vista mais de perto, a suposição criacionista adquire feições picarescas. Há, de fato, documentadas por fósseis, uma série de formas intermediárias entre os mesoniquídeos (parentes terrestres das baleias) e as baleias modernas: pakicetus, ambulocetus, rodhocetus, dorudon, basilosaurus, para citar algumas das mais representativas. Mas os criacionistas rejeitam a evolução gradual. Suponhamos, portanto, que as formas que conectam as baleias modernas a seus ancestrais terrestres não existiram. Como um criacionista explicaria o surgimento das baleias? As hipóteses mais absurdas vêm à mente. Os mesoniquídeos eram carnívoros ungulados semelhantes a lobos. Desapareceram há cerca de 30 milhões de anos. De acordo com a hipótese criacionista, um mamífero como o mesoniquídeo (ou como qualquer outro) daria à luz um filhote de baleia. Ou seja, haveria uma organização molecular miraculosa no interior do útero de uma fêmea de mesoniquídeo. Em vez de um feto de um indivíduo de sua espécie, essa fêmea geraria um animal com todas as características de um cetáceo. Ou, numa outra hipótese igualmente absurda, a composição dos novos tecidos orgânicos ocorreria nas águas do oceano. Num certo momento, obedecendo ao comando do Criador, os átomos se mobilizariam e formariam um organismo fundamentalmente idêntico (em termos homológicos) a outros da mesma ordem. Ora, diante de tais absurdidades, os criacionistas poderiam argumentar que o surgimento de uma nova espécie não poderia ser tão abrupto? Poderiam, em outras palavras, evocar a existência de formas intermediárias?
A embriologia comparada reforça as objeções anatômicas contra a ideia de uma criação divina. Darwin observou que os embriões de espécies distintas de animais são bastante similares. Alguns exemplos são suficientes. Embriões de cetáceos apresentam protrusões de membros posteriores que desaparecem ao longo do desenvolvimento. (28) Embriões humanos e de peixes possuem arcos branquiais próximos à cabeça. Nos humanos eles não se transformam em brânquias, mas fornecem os materiais a partir dos quais os ossos faciais, os ouvidos e outras estruturas são construídos. (29)
Embora refute a linhagem utilitarista (teleologista) do argumento do desígnio, uma escola de anatomistas comparativos propôs uma outra modalidade de teologia natural. Agassiz (30) e Owen (31) acreditavam que os fatos de homologia eram manifestações empíricas de arquétipos metafísicos. Assim, uma ideia platônica (existente na mente do arquiteto divino) explicaria, por exemplo, as correspondências estruturais entre as diversas espécies de vertebrados, de modo que as partes homólogas seriam materializações de um plano estrutural básico: variações do mesmo tema musical. Não é difícil constatar a confusão entre ciência empírica e metafísica que vicia a teologia desses anatomistas: uma ideia abstrata e imaterial é utilizada para explicar a conformação de objetos físicos. O mesmo quiproquó ocorre no espiritismo, quando a doutrina tradicional da imortalidade da alma é convertida num assunto das ciências empíricas, que jamais se elevam acima do âmbito espacial e temporal. Assim como a doutrina metafísica da alma não poderia ser corroborada pela teoria materialista do corpo astral, o idealismo platônico não poderia explicar os fatos de homologia. Eventos e objetos materiais requerem causas materiais. Desta feita, Darwin transformou o arquétipo dos anatomistas platônicos no ancestral comum de um determinado grupo de organismos aparentados.
A objeção do registro fossilífero
Darwin tinha plena consciência da escassez, em sua época, de formas fósseis intermediárias (elos perdidos). O capítulo 9 da Origem das espécies intitula-se Sobre a imperfeição do registro geológico. No entanto, em 1861 (dois anos após a publicação da Origem), descobria-se na Alemanha o fóssil do Archaeopteryx, forma transicional entre répteis e aves. Em edições posteriores de sua obra magna, Darwin menciona o fóssil recém-descoberto:
Há não muito tempo, os paleontólogos sustentavam que a totalidade da classe das aves aparecia subitamente durante o período Eoceno; mas agora sabemos, baseados na autoridade do professor Owen, que uma ave certamente viveu durante o depósito de grés verde superior; e ainda mais recentemente, essa estranha ave, o Archaeopteryx, com uma longa cauda de lagarto, portando um par de penas em cada articulação, e com suas asas providas de duas garras livres, foi descoberta nos estratos oolíticos de Solenhofen. Dificilmente uma descoberta recente revela de maneira mais intensa quão pouco ainda sabemos dos antigos habitantes do mundo. (32)
Em outra passagem do mesmo livro, Darwin reconhece, de maneira um pouco circunspecta, o caráter transicional do Archaeopteryx:
O professor Huxley mostrou até mesmo que o amplo intervalo entre as aves e os répteis encontra-se parcialmente preenchido, da maneira mais imprevista, pelo avestruz e pelo Archaeopteryx extinto, por um lado, e por outro, pelo Compsognathus, um dos dinossauros – grupo que inclui os répteis terrestres mais gigantescos. (33)
Desde então, várias sequências formidáveis de fósseis intermediários foram descobertas. Podemos mencionar, por exemplo, os répteis mamaliformes (ou mamíferos reptilianos), formas eminentemente ambíguas. (34) Ou os mamíferos aquáticos e semiaquáticos que se interpõem entre as baleias modernas e seus ancestrais terrestres. (35) Igualmente surpreendentes, os australopitecíneos constituem uma suave transição entre um primata antropoide semelhante ao chimpanzé e o ser humano moderno. (36)
Não obstante todas as evidências, os criacionistas costumam afirmar que os fósseis transicionais são inexistentes, de modo que o registro fossilífero seria permeado de lacunas. Isso ocorre porque os criacionistas definem “transicional” como um fóssil que seria um ancestral direto de um organismo e um descendente direto de outro. Mas as linhagens diretas não são necessárias para o reconhecimento de formas intermediárias. De acordo com o conceito científico, um fóssil transicional é simplesmente um “fóssil que exibe um mosaico de características de um organismo mais antigo e de um mais recente”. (37) Os evolucionistas não afirmam, por exemplo, que o Archaeopteryx é o ancestral das aves modernas. De fato, a maioria dos fósseis transicionais representam linhagens colaterais extintas. Mas isso não significa que o Archaeopteryx não é uma forma intermediária entre os dinossauros e as aves atuais.
Conforme um mantra repetido pelos criacionistas, “Uma miríade de evidências demonstra conclusivamente que o Archaeopteryx é uma ave completa, e não um elo perdido entre dinossauros e aves”. (38) Na verdade, como mostra Coyne, o Archaeopteryx tem mais características reptilianas do que aviárias: maxilares com dentes, uma longa cauda óssea, garras, dedos separados na asa e um pescoço conectado ao crânio por trás, como nos dinossauros. Seu esqueleto é praticamente idêntico ao dos dinossauros terópodes. Os traços aviários são apenas dois: penas e o hálux (primeiro dedo do pé) oponível aos outros dedos. (39)
Os fósseis transicionais mostram que a evolução gradual ocorreu e que, consequentemente, os organismos não foram criados por um agente sobrenatural. As características biológicas não surgem ex abrupto; e cada pequena modificação, muito simples, é incapaz de representar um desafio à explicação naturalista.
É necessário ressaltar ainda que o padrão geral da ocorrência de fósseis é incompatível com a teoria das criações especiais. Um vislumbre da sequência de estratos rochosos revela que a vida primitiva era muito simples, e que as espécies mais complexas aparecem depois. (40) Se o criacionismo fosse verdadeiro, por que não encontraríamos fósseis de mamíferos em rochas do Cambriano? Por que as criações sucessivas necessitariam apoiar-se sobre estruturas orgânicas já existentes (anfíbios após peixes, répteis após anfíbios etc.)? Por que os fósseis pertencentes a camadas adjacentes são mais similares entre si do que aqueles encontrados em camadas afastadas? Em suma, por que o Criador seria obrigado a atuar exatamente como se a evolução orgânica fosse um fato?
A objeção da distribuição geográfica dos organismos
Os fatos biogeográficos são incompatíveis com a doutrina da criação sobrenatural dos organismos. A eles são dedicados os capítulos 11 e 12 da Origem das espécies. Darwin observou que as semelhanças e dessemelhanças taxonômicas entre os seres vivos são independentes das diversas condições físicas (hábitats) existentes no planeta. Formas taxonomicamente distintas (embora superficialmente aparentadas) habitam regiões fisicamente correspondentes, ao passo que formas relacionadas são encontradas em regiões fisicamente dessemelhantes. (41) Alguns exemplos podem ser esclarecedores. As plantas suculentas do deserto exibem um conjunto de adaptações para a sobrevivência em regiões secas e áridas, tais como caules dilatados para armazenar água e folhas ausentes ou reduzidas para reduzir a evapotranspiração. No entanto, desertos de diversas regiões do planeta têm tipos diferentes de plantas suculentas. Nas Américas, as suculentas pertencem à família dos cactos. Mas, nos desertos do Velho Mundo, as suculentas nativas fazem parte de uma família completamente diferente, a das euforbiáceas. A dessemelhança entre os membros das duas famílias pode ser estabelecida pelo exame de suas flores e de sua seiva (clara nos cactos e leitosa nas euforbiáceas). Mas, apesar dessas diferenças, os dois tipos de plantas são superficialmente indistinguíveis, ou seja, apresentam as mesmas adaptações. O fato coloca um grave problema para o criacionismo: por que o Criador multiplicaria seus esforços e poria espécies distintas, ainda que muito parecidas em termos adaptativos, em hábitats idênticos ao redor do planeta? Com efeito, os cactos prosperam quando são introduzidos em desertos do Velho Mundo. (42)
A vegetação do tipo chaparral (arbustiva e resistente ao fogo), típica do clima mediterrâneo, tem aspecto semelhante na Califórnia, na costa do Chile, na região mediterrânea, no sul da Austrália e no sul da África, embora seja composta, em cada uma dessas regiões, de plantas taxonomicamente distintas. (43)
Por outro lado, as espécies de cada hábitat são intimamente relacionadas (em termos taxonômicos) com as espécies que ocupam outros hábitats das proximidades, embora fisicamente distintos. Há roedores saltadores superficialmente (adaptativamente) semelhantes nos desertos da América do Norte (ratos-cangurus, da família Heteromyidae) e do Velho Mundo (jerboas, da família Dipodidae), sendo que cada um deles é relacionado taxonomicamente com roedores não saltadores que vivem em hábitats diferentes da mesma região. (44) Assim, os ratos-cangurus são geneticamente mais aparentados aos castores, roedores semiaquáticos da América do Norte, do que aos jerboas.
Os mamíferos marsupiais, encontrados sobretudo na Austrália, e os placentários, que predominam no restante do mundo, pertencem a duas divisões taxonômicas distintas. Apesar disso, alguns marsupiais australianos são bastante semelhantes a mamíferos placentários. Há, por exemplo, toupeiras e tamanduás marsupiais. (45) Se o sobrenaturalismo não explica tais fatos, o mesmo não pode ser dito do evolucionismo. Trata-se do fenômeno da evolução convergente. Toupeiras e tamanduás evoluíram na Austrália independentemente de seus equivalentes placentários em outras partes do mundo. Espécies que vivem em hábitats similares são modeladas por pressões seletivas similares. Assim, desenvolvem adaptações análogas. O mesmo princípio explicativo aplica-se às plantas suculentas do deserto, à vegetação do clima mediterrâneo, aos roedores saltadores e a inúmeros outros casos de analogias entre organismos geneticamente distintos que ocupam hábitats correspondentes.
É conhecida a importância das ilhas para a teorização de Darwin. As Galápagos são ilhas oceânicas situadas a cerca de mil quilômetros da costa da América do Sul (o ponto continental mais próximo é o Equador). Diferentemente das ilhas continentais, as ilhas oceânicas nunca estiveram conectadas ao continente, e surgiram como vulcões ou recifes de coral (as Galápagos têm origem vulcânica). Alguns fatos relativos às ilhas oceânicas são incompatíveis com o criacionismo. Primeiramente, as ilhas oceânicas são desprovidas de vários tipos de espécies nativas encontradas em continentes e ilhas continentais. (46) Nas Galápagos, por exemplo, não há mamíferos autóctones, anfíbios e peixes de água doce. As espécies lá encontradas – plantas, répteis, aves e insetos – são justamente aquelas que, de alguma forma, são capazes de atravessar longas distâncias marítimas para colonizar as ilhas oceânicas. Aves, por exemplo, são capazes de voar e podem carregar em seu trato digestivo sementes de várias espécies de plantas. Anfíbios e peixes de água doce, em contrapartida, não sobrevivem na água salgada. Até mesmo répteis, ocasionalmente, puderam alcançar ilhas oceânicas, provavelmente por meio de massas desprendidas da vegetação. E morcegos também podem colonizá-las, ao contrário de mamíferos terrestres. Se Deus fosse realmente o criador da vida, por que teria posto nas ilhas oceânicas apenas as espécies capazes de viajar até elas? Com efeito, mamíferos, anfíbios e peixes de água doce vão muito bem quando são introduzidos em ilhas oceânicas pelas mãos humanas. Em segundo lugar, constatamos que as formas de vida das ilhas oceânicas são mais aparentadas às espécies encontradas na porção continental mais próxima. Assim, as espécies das Galápagos são taxonomicamente semelhantes às espécies da costa oeste da América do Sul, apesar da diferença entre os hábitats. Nas Galápagos, arquipélago constituído de dez ilhas principais, há cerca de quinze espécies endêmicas de tentilhões, com bicos adaptados a diferentes tipos de alimentos, como insetos, sementes e ovos de outras espécies. O fato mostra que os habitantes das ilhas oceânicas descendem de espécies colonizadoras provenientes do continente mais próximo. (47)
Podemos estabelecer como uma lei geral que as produções de um mesmo continente ou de um mesmo mar são geneticamente aparentadas, a despeito da variabilidade das espécies e independentemente das diferenças entre os diversos hábitats. (48) Isso inclui as formas extintas. Assim, os mamíferos xenartros (outrora chamados de desdentados) são endêmicos ao continente americano, e fósseis de megatérios e gliptodontes, formas extintas de xenartros, são encontrados nas Américas.
De maneira análoga, exames genéticos moleculares mostraram que os parentes mais próximos dos humanos são os chimpanzés (a diferença é de apenas 1,6% (49) ). Na verdade, a distância entre o ser humano e o chimpanzé é menor do que a distância entre o chimpanzé e os macacos do Novo Mundo. (50) Ademais, sabemos que a África é a terra dos gorilas e dos chimpanzés. Em 1871, na Descendência do homem, Darwin fez uma previsão de extrema importância: com base nas afinidades morfológicas entre humanos e primatas antropoides (gibões, orangotangos, gorilas e chimpanzés), ele afirmou que a África seria a terra natal da espécie humana. (51) Pois bem, os fósseis humanos mais antigos foram encontrados na África (os primeiros, em 1924 (52) ). Trata-se de um sinal nítido de evolução (descendência com modificação), e não de uma criação sobrenatural.
Conclusão
Duas escolas tradicionais de teólogos naturais propuseram modalidades antagônicas do argumento biológico do desígnio. Os funcionalistas ou teleologistas (Galeno, Paley e os atuais proponentes do intelligent design) afirmam a prioridade teórica da complexidade adaptativa dos organismos, ao passo que os anatomistas comparativos (também chamados de formalistas) privilegiam os fatos de homologia (Agassiz, Owen). Nas palavras de Amudson,
A modalidade biológica e teleologista do argumento do desígnio é indubitavelmente a demonstração mais popular da existência de Deus. Assim, não surpreende o fato de que ela tenha sido o alvo privilegiado do empreendimento teórico da Origem das espécies. Com efeito, os argumentos aduzidos por Darwin mostram que a doutrina da criação sobrenatural das espécies não resiste ao escrutínio científico, e que as características orgânicas são melhor explicadas pela teoria da evolução por seleção natural. Vimos que, de acordo com a objeção do regresso infinito, o designer inteligente é necessariamente uma entidade empírica (Kant); e um criador empírico da complexidade biológica é necessariamente um ser complexo. Logo, sua postulação é uma petição de princípio. Necessitamos de um processo criativo que não pressuponha a complexidade, mas que ocorra gradualmente a partir das formas orgânicas mais simples. Este processo é a evolução por seleção natural. Vimos também que a anatomia comparada fornece um conjunto de fatos (órgãos rudimentares, homologias e estruturas embrionárias) incompatíveis com a versão teleologista do argumento biológico do desígnio, e que a existência de fósseis intermediários e o padrão geral de ocorrência dos fósseis indicam que as espécies não foram criadas sobrenaturalmente, mas evoluíram de formas já existentes. Por fim, os fatos atinentes à distribuição geográfica dos organismos revelam que as relações taxonômicas entre as espécies são independentes das características dos diversos hábitats do planeta, o que contraria a suposição de um designer inteligente e favorece a perspectiva evolucionista.
Bibliografia
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Notas (Clique pra voltar ao texto)
(1) I. KANT, Crítica da razão pura, p. 384.
(2) D. HUME, Dialogues Concerning Natural Religion, p. 65.
(4) W. PALEY, Natural Theology, p. 12.
(5) Apud T. F. GLICK, What about Darwin?, p. 273.
(6) “Penso em geral (e mais ainda, à medida que envelheço), mas não sempre, que agnóstico seria a descrição mais correta de meu estado de espírito”. Apud A. DESMOND & J. MOORE, Darwin: a vida de um evolucionista atormentado, p. 648.
(7) I. KANT, Crítica da razão pura, pp. 385-386.
(9) C. DARWIN, The Origin of Species, p. 172.
(12) S. J. GOULD, A galinha e seus dentes, p. 177.
(15) E. HAECKEL, História da criação natural, p. 9.
(18) J. A. COYNE, Why Evolution is True, p. 64.
(19) R. DAWKINS, The Greatest Show on Earth, pp. 360-363.
(20) L. AGASSIZ, Essay on Classification, pp. 11-12.
(21) R. OWEN, On the Archetype and Homologies of the Vertebrate Skeleton, p. 7.
(22) M. RUSE, Darwin and Design: Does Evolution Have a Purpose?, p. 126.
(23) Apud S. J. GOULD, The Structure of Evolutionary Theory, p. 310.
(24) R. OWEN, On the Archetype and Homologies of the Vertebrate Skeleton, p. 73.
(25) T. J. STORER & R. L. USINGER, Zoología general, p. 885.
(26) C. DARWIN, The Origin of Species, p. 427.
(27) S. J. GOULD, Dinossauro no palheiro, p. 436.
(28) J. A. COYNE, Why Evolution is True, p. 79.
(30) L. AGASSIZ, Essay on Classification, pp. 20-23.
(31) R. OWEN, On the Archetype and Homologies of the Vertebrate Skeleton, p. 73.
(32) C. DARWIN, The Origin of Species, p. 313.
(34) M. RUSE, Darwinism and Its Discontents, p. 87.
(36) E. MAYR, O que é a evolução, p. 36.
(37) M. ISAAK, The Counter-Creationism Handbook, p. 123.
(38) H. HANEGRAAFF, The Creation Answer Book, p. 150.
(39) J. A. COYNE, Why Evolution is True, p. 40.
(41) C. DARWIN, The Origin of Species, p. 346.
(42) J. A. COYNE, Why Evolution is True, pp. 98-99.
(43) D. J. FUTUYMA, Biologia evolutiva, p. 397.
(45) J. A. COYNE, Why Evolution is True, p. 99.
(46) C. DARWIN, The Origin of Species, pp. 381-382.
(49) J. DIAMOND, O terceiro chimpanzé, p. 31.
(51) C. DARWIN, The Descent of Man, and Selection in Relation to Sex, p. 199.
(52) J. A. COYNE, Why Evolution is True, p. 105.
(53) R. AMUDSON, “Typology Reconsidered: Two Doctrines on the History of Evolutionary Biology.” Biology and Philosophy, p. 154.
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